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20 de Abril de 2024

A não devolução imediata dos valores pagos pelo consorciado

A não devolução imediata dos valores pagos pelo consorciado.

Publicado por Mauricio Franca
há 8 anos

RESUMO: Os contratos de consórcio, muito embora sejam uma forma segura e menos onerosa na obtenção de bens móveis e imóveis a prazo do que os financiamentos e arrendamentos mercantis, se tornaram verdadeiros imbróglios negociais em que os consumidores, por falta de informação, acabam sendo lesados ou sofrem prejuízos que não foram previamente admitidos e que estão fora dos riscos ordinários de um pacto comercial.

PALAVRAS-CHAVE:Consórcio. Bens móveis, imóveis e serviços. Sistema Financeiro Nacional. Relação de consumo. Desistência. Ação de Restituição de Importâncias Pagas. Devolução dos valores pagos. Taxa de Adesão. Taxa de Administração. Multa. Redutor. Juros de mora. Correção monetária. Seguro. Fundo de reserva.

INTRODUÇÃO

“Então você tem duas opções: mantém os R$ 10 mil e faz um financiamento, ou então faz um consórcio, lembrando que você não tem como saber quando vai ser sorteado. Você pode dar um lance e receber logo a carta de crédito, mas lembre que quando faz isso, abate este valor das prestações, mas a taxa de juros cobrada acaba subindo bastante, pois você está trocando dinheiro no futuro por dinheiro hoje. Apesar de não ter taxa de juros, o consórcio tem uma taxa fixa de 17%, além de 5% de Fundo de Reserva” (Pierre Lucena, doutor em Finanças pela PUC-Rio e mestre em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco) i

O “Grupo de consórcio é uma sociedade não personificada constituída por consorciados” que visa “a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento” (arts. e da Lei nº 11.795/08, que dispõe sobre o Sistema de Consórcio).

Assim, todo consórcio visa, basicamente, a constituição de um grupo de pessoas que cotizará, mensalmente entre si, de modo a adquirir um bem ou um serviço. Por exemplo, a grosso modo, se a intenção é a compra de um veículo de 30 mil reais, será necessária a reunião de 30 pessoas que pagarão um mil reais por mês, durante 30 meses (dois anos e seis meses), totalizando 30 automóveis quitados, um para cada participante. E para que o processo de colaboração mútua seja democrático, todo mês, em dia e hora previamente determinados, ocorrerá o sorteio, dentre os 30 integrantes, do felizardo e obterá a Carta de Crédito suficiente para a compra do tão sonhado bem.

É neste contexto que se insere a administradora de consórcios. Muito embora seu intuito seja satisfazer os interesses dos consorciados, a criação e gestão de grupos consorciais tem finalidade lucrativa, obtida mediante taxas de adesão (entrada) e de administração mensal, além de seguro e contribuição para o fundo de reserva, cobrados dos consumidores contraentes.

Contudo, eventualmente, em razão de situação imprevisível e emergencial, um dos consorciados pode desistir de participar do grupo, causando um abalo às finanças mensais, certo de que 29 mil reais não mais comprarão o veículo para o qual todos resolveram colaborar. É sob esta ótica que o presente estudo visa o debruço sobre as cláusulas dos instrumentos contratuais de consórcio, de modo a esclarecê-las e analisar se, de fato, há alguma regra abusiva que fere o direito dos consorciados consumidores excluídos (art. 21 da Lei nº 11.795/08).

1. O CONSÓRCIO E O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

As empresas administradoras de consórcio, embora destinem seus produtos (bens imóveis ou móveis e serviços) à satisfação e interesse de particulares, são equiparadas às instituições financeiras, seja porque podem colocar o Sistema Financeiro Nacional em risco, seja em virtude da gestão de recursos de terceiros, neles incluídos os grupos consorciais, conforme o inciso I do art. da Lei nº 7.492/86, que define os crimes contra tal sistema. É ver (sem grifos no original):

Art. 1º. Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (vetadoii) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:

I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros.

Vejamos o aresto do Supremo Tribunal Federal - STF a respeito do tema:

COMPETÊNCIA - CONSÓRCIOS - LEI Nº 7.492/86. A gestão temerária dos recursos dos consorciados alcança o próprio sistema financeiro, em termos de credibilidade, no que, segundo o inciso I do artigo da Lei nº 7.492/86, as empresas do ramo são equiparadas às financeiras (STF, 1ª Turma, HC 113.631/SP, Relator Min. MARCO AURÉLIO, DJe-091 de 16/05/13).

Neste mesmo sentido: STF, 1ª Turma, RO em HC nº 84.182/SC, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, DJ 04/03/05; 2ª Turma, HC 84.111/RS, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJ 20/08/04; 1ª Turma, HC 83.729/SC, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, DJ 23/04/04 e RE 435.192/RS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Decisão Monocrática, DJE nº 208, divulgado em 22/10/12.

Em outras palavras, sendo a administradora de consórcio verdadeira instituição financeira, os seus gestores podem responder criminalmente por crimes contra o sistema financeiro nacional, vulgarmente conhecidos como “crimes de colarinho branco”, dos quais também fazem parte os de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, definidos na Lei nº 9.613/98.

2. O CONSÓRCIO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Diante das informações apresentadas no tópico anterior, mormente de que as pessoas jurídicas que administram recursos de terceiro se equiparam a instituições financeiras, se conclui, por óbvio, que os contratos de consórcio estão submetidos às regras do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei nº 8.078/90).

Aliás, aqui aproveito o ensejo para salientar que, no presente caso, as empresas administradoras de consórcio não vendem produtos, mas sim o serviço de gestão do grupo consorcial e dos valores pagos mensalmente por seus integrantes, de modo que, apesar de a intenção do consorciado ser a obtenção de um determinado bem, aquelas lhe providenciarão, quando sorteado, uma Carta de Crédito (pecúnia) para tanto. Vejamos (regramentos da Lei nº 11.795/08):

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...)

§ 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (negritei)

E para que não paire dúvida acerca da aplicabilidade do CDC aos contratos de consórcio, o legislador infraconstitucional trouxe, no § 2º do art. 53 do referido Diploma, a previsão de desconto de vantagem eventualmente obtida durante o curso do pacto, bem como dos prejuízos causados ao grupo pelo consorciado desistente, quando do seu desligamento. A propósito (destaquei):

Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

(...)

§ 2º. Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo.

Segue abaixo o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça - STJ:

1. Nos contratos de consórcio para compra de bem imóvel, a relação entre a consorciada e a administradora configura relação de consumo (STJ, 3ª Turma, REsp 595.964/GO, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 04/04/05).

Neste diapasão: STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 1.070.671/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 10/05/10; STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 253.175/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, DJ 30/10/00 e 2ª Seção, CC 18.589/GO, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 24/05/99.

Desta forma, esclarecidas as obrigações legais das empresas administradoras de consórcio, adentro às questões polêmicas que envolvem os contratos deste tipo de negociação.

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Olá Mauricio Parabéns pelo o artigo, mas tenho uma dúvida, recentemente fiz um consórcio e devido aos transtornos pelo não recebimento da senha e varias tentativas junto com a central de atendimento para envio da segunda via senha e os prazos sempre vencia e nada era feito, realizei o cancelamento em menos de 30 dias.

Entendi que a administradora não estava cumprimento com o contrato, pois, não recebi a senha no prazo e muito menos após as manifestações abertas. A empresa alegou que não podem devolver meu dinheiro, devido ao cancelamento voluntário que fiz.

Isso é permitido? Afinal, como iria continuar pagando algo que não tinha acesso a nada, apenas por informações informadas pela central via telefone. Inclusive alegam que vão cobrar 10% como multa.

Se puder esclarecer as dúvidas, agradeço. Obrigado! continuar lendo